Petição inicial na reforma Trabalhista (Parte 1)

1) Introdução: modificações substanciais dos dispositivos da CLT sobre petição inicial

A Reforma Trabalhista trouxe duas importantes inovações de conteúdo nos parágrafos do art. 840 da CLT, ao prever: (i) que o pedido deve ser “certo, determinado e com indicação de seu valor”; (ii) e que deve haver julgamento sem resolução de mérito quanto aos pedidos que não atendam aos requisitos estabelecidos no §1º do mesmo dispositivo.

O objetivo deste artigo é expor sistematicamente o tema e demonstrar as possibilidades interpretativas das novidades legislativas, à luz da doutrina e jurisprudência pertinentes, com destaque para a exigência de liquidação dos pedidos formulados na petição inicial. Serão analisadas, ainda, ao final, as modificações meramente redacionais feitas pela Lei 13.467/2017 no art. 840 (caput e parágrafos) da Consolidação das Leis do Trabalho.

2) Certeza, determinação e liquidez do pedido: noções essenciais

A mais significativa inovação da Reforma no que tange à petição inicial diz respeito à exigência de certeza, determinação e indicação do valor do pedido. Pretendeu-se generalizar, com a nova lei, tal requisito, que era aplicável anteriormente apenas nos processos trabalhistas que tramitassem no rito sumaríssimo (CLT, art. 852-B, I).

O pedido é considerado certo quando for explícito na petição inicial (PONTES DE MIRANDA, 1999, p. 36). Só se admitem pedidos implícitos nas hipóteses taxativamente previstas em lei: é o que ocorre, por exemplo, com a correção monetária, com os juros de mora e com as verbas de sucumbência, inclusive os honorários advocatícios (CPC, art. 322, §1º).

Já a exigência de determinação do pedido, conforme entendimento majoritário da doutrina, significa que o pedido deve ser delimitado quanto à qualidade e à quantidade pretendidas (DIDIER, 2016, p. 575); dessa concepção resulta que, quando se tratar de obrigação pecuniária, o autor deve indicar na petição inicial, em princípio, o respectivo valor.

Contudo, há linhas doutrinárias que associam a determinação do pedido ao fato de o autor dever fazer conhecer com segurança e clareza a tutela jurisdicional postulada, sendo preciso na indicação da prestação jurisdicional a ser obtida (THEODORO JÚNIOR, 2015, p. 767).

O Código de Processo Civil de 2015 aparentemente sufragou a corrente majoritária, pois se refere apenas à certeza e determinação, não exigindo expressamente a liquidez dos pedidos (arts. 322 e 324). Apesar disso, admite o pedido genérico (= indeterminado ou ilíquido): (i) nas ações universais, se o autor não puder individuar os bens demandados; (ii) quando não for possível determinar, desde logo, as consequências do ato ou do fato; (iii) quando a determinação do objeto ou do valor da condenação depender de ato que deva ser praticado pelo réu (art. 324, §1º).

A Lei 13467/2017 (Reforma Trabalhista), talvez com o objetivo de evitar tais controvérsias doutrinárias, optou por estabelecer a necessidade de que o pedido seja não apenas certo e determinado, mas que haja, também, indicação de seu valor. No entanto, o tema apresenta diversas nuances e certamente gerará divergências interpretativas, conforme se demonstrará a seguir. 

3) Panorama jurisprudencial

Como se trata de previsão legislativa nova no campo trabalhista, deve-se recorrer à jurisprudência firmada sobre o tema da liquidação dos pedidos na petição inicial no Processo Civil.

Nesse contexto, há, no Superior Tribunal de Justiça (órgão uniformizador da interpretação da lei federal), precedentes no sentido de ser “permitida a formulação de pedido genérico na impossibilidade imediata de mensuração do ‘quantum debeatur’”, quando se tratar de “conteúdo econômico ilíquido e de difícil apuração prévia”.[1]

Outros julgados do STJ também concluem pela licitude de pedido genérico (= ilíquido) sempre que a causa envolver cálculos contábeis complexos, “hipótese em que o valor da causa pode ser estimado pelo autor, em quantia simbólica e provisória, passível de posterior adequação ao valor apurado pela sentença ou no procedimento de liquidação”.[2]

Em matéria tributária, a jurisprudência pacífica do STJ, quanto aos pedidos de repetição de indébito tributário, entende ser “desnecessária, para fins de reconhecer o direito alegado pelo autor, a juntada de todos os comprovantes de recolhimento do tributo”, providência que deve ser levada a termo “quando da apuração do montante que se pretende restituir, em sede de liquidação do título executivo judicial”.[3]

Conclui-se que o STJ relativiza, no âmbito cível, a exigência de liquidação dos pedidos que a doutrina majoritária extrai do art. 324, caput, do CPC, sempre que houver dificuldade de apuração prévia do valor devido ou se fizerem necessários cálculos contábeis complexos. Além disso, mesmo em matéria tributária, na qual há nitidamente prerrogativas da Fazenda Pública (exemplo: autoexecutoriedade e presunção de legitimidade dos atos administrativos de lançamento e inscrição em dívida ativa), a Corte admite a formulação de pedido genérico.

4) Liquidação de pedidos na realidade da Justiça do Trabalho

Os processos trabalhistas envolvem, na absoluta maioria das vezes, pedidos de condenação ao pagamento de parcelas pecuniárias. Daí resulta a necessidade de liquidação dos valores correspondentes, sendo que a praxe demonstra que, no rito ordinário, a providência costumeiramente é adotada apenas após a prolação da sentença condenatória.

Sem dúvida, há grande número de processos nos quais os pedidos formulados são de fácil liquidação, sendo suficientes simples cálculos aritméticos para chegar ao valor devido. É o que ocorre, por exemplo, nas hipóteses em que se postula o pagamento de verbas rescisórias (aviso prévio, 13º salário proporcional etc.), que podem ser facilmente calculadas por qualquer advogado ou magistrado, já que a simples realização das quatro operações básicas da matemática permite apurar o valor do crédito.

Presumidamente, quando o legislador estabeleceu a exigência de liquidação dos pedidos no rito sumaríssimo (CLT, art. 852-B, I), partiu da premissa – que geralmente coincide com a realidade – de que, diante do menor valor da causa, há menor complexidade dos cálculos envolvidos.

De outro lado, há causas em que a liquidação é extremamente complexa e dificultosa; algumas vezes, há necessidade até mesmo de realização de perícia contábil na fase de execução. Exemplifica-se com o cálculo de diferenças de comissões ou de participação nos lucros em função da inobservância, pela empresa, de critérios estabelecidos em seu regulamento, o que pode depender eventualmente de análise do balanço patrimonial do empregador; ou de apuração de diferenças de horas extras à luz dos cartões de ponto (fidedignos) e dos contracheques, devendo-se apurar dia a dia a existência de diferença não quitada.

Situação também comum diz respeito à cumulação de pedidos, com facilidade para liquidação de alguns deles, e dificuldade para outros.

5) Interpretação conforme à Constituição do art. 840, §1º, da CLT

Como visto, a redação do art. 840, §1º, da CLT, indica a necessidade genérica e aparentemente absoluta de indicação do valor dos pedidos na petição inicial. Nitidamente, a Reforma Trabalhista reforça a tendência de aproximação recíproca entre o Direito Processual Civil e do Trabalho.

Dessa forma, embora não conste do texto da CLT, é inevitável a aplicação das exceções contidas no art. 324, §1º, do CPC (dada a omissão da CLT e a compatibilidade com os princípios do Processo do Trabalho), que permitem a prolação de sentença genérica em algumas hipóteses. Isso porque a aplicação de tais exceções é imperativo lógico-jurídico, cuja não observância geraria situação de perplexidade e de impedimento ilegítimo ao exercício do direito de ação.

Assim, quando não for possível determinar, desde logo, as consequências do ato ou do fato, a sentença pode, licitamente, ser ilíquida. Exemplo no campo trabalhista é o pedido de indenização por danos materiais em decorrência de incapacidade laborativa (cujo percentual deve ser apurado em perícia) causada por doença ocupacional.

Igualmente, a sentença pode ser ilíquida quando a determinação do objeto ou do valor da condenação depender de ato que deva ser praticado pelo réu. Exemplifica-se com o pedido de equiparação salarial, na hipótese em que o trabalhador não saiba a remuneração exata do empregado paradigma, fazendo-se necessária a juntada das fichas financeiras ou contracheques pelo empregador.

Perceba-se que, nos dois casos, é materialmente impossível ao reclamante liquidar os pedidos, considerando as particularidades da causa de pedir. Tal fato já comprova, por si só, que a aplicabilidade do art. 840, §1º, da CLT, não é absoluta, mesmo que o enunciado normativo não indique a existência de situações excepcionais. Conclui-se que o dispositivo é inexato, ao não mencionar as exceções contidas no art. 324, §1º, do CPC.

Partindo-se dessa premissa, deve ter aplicabilidade, nos processos trabalhistas, o entendimento consolidado no âmbito do STJ (retratado em tópico anterior) a respeito da possibilidade de relativização da exigência de liquidação dos pedidos.

De fato, além da inexatidão já demonstrada, mesmo em situações não incluídas no art. 324, §1º, do CPC, pode ser muito dificultoso – ou até virtualmente impossível – para o autor liquidar os pedidos, nas situações que haja necessidade de realizar operações contábeis complexas ou for difícil a apuração prévia do valor.

A complexidade, apta a justificar a formulação de pedido ilíquido, estará presente quando a apuração do quantum depender de cálculos que exijam nível de conhecimentos contábeis e matemáticos superior aos titularizados pelo homem médio.

Em outras palavras: se a elaboração do cálculo requerer conhecimento e técnica especializados, e não puder ser feita pelo profissional do Direito mediano (advogado, Juiz do Trabalho etc.), não há necessidade de a petição inicial, no rito ordinário, liquidar o valor dos pedidos. Se o cálculo for daqueles que só puder ser feito precisamente por profissional especializado (contador ou calculista), a petição ilíquida deve ser aceita.

Tal solução se impõe à luz do princípio constitucional do acesso à justiça (CF, art. 5º, XXXV), já que, exigir a liquidação nessas hipóteses criaria obstáculo prático irrazoável e intransponível ao ajuizamento da ação, sobretudo quando o autor (empregado ou empregador) for beneficiário da justiça gratuita. Ora, se o cidadão não tem condições de pagar as despesas do processo, inevitavelmente não terá recursos para contratar um contador particular antes do ajuizamento da ação.

Poder-se-ia objetar dizendo que, nas hipóteses de gratuidade de justiça, a elaboração do cálculo deveria ser feita pelo contador judicial (servidor da Vara do Trabalho). Contudo, a objeção não procede, porque a realidade do foro faria com que ficassem inviabilizados os serviços da Secretaria da Vara, considerando a grande quantidade de processos trabalhistas nos quais se defere a gratuidade de justiça.

Em suma, a exigência de liquidação dos pedidos na petição inicial não se aplica quando houver complexidade nos cálculos envolvidos. Essa é a única interpretação do art. 840, §1º, da CLT, que se compatibiliza com o princípio constitucional do acesso à justiça.

6) Interpretação consequencialista da exigência de liquidação dos pedidos: isonomia

Além dos óbices jurídicos já analisados, há dois aspectos de ordem prática que inviabilizam a interpretação de que o art. 840, §1º, da CLT, estaria a exigir a liquidação dos pedidos em qualquer caso.

O primeiro é que, sendo líquida a inicial, a sentença, em princípio, também deveria ser líquida (CPC, art. 491, caput). Além disso, o art. 491, §1º, II, autoriza a prolação de sentença ilíquida quando a apuração do valor devido depender da produção de prova de realização demorada ou excessivamente dispendiosa, assim reconhecida na sentença.

Tal dispositivo é elogiável, já que contribui fortemente com a celeridade processual: isso porque, enquanto tramitar eventual recurso (com ou sem efeito suspensivo) contra a sentença ilíquida, o interessado já pode promover de imediato a liquidação provisória (CPC, art. 512). Dessa forma, não há necessidade de realizar a demorada ou dispendiosa liquidação (pressuposto do art. 491, §1º) antes da interposição do recurso, o que acelera a prestação jurisdicional.

Ora, se a sentença pode ser ilíquida em virtude da dificuldade dos cálculos, não se vislumbra o motivo pelo qual a mesma flexibilização não se deva admitir no que tange à elaboração da petição inicial. Não há proeminência do juiz que justifique a possibilidade de prolação de sentença genérica, enquanto o advogado, no mesmo caso, teria o ônus de liquidar a petição. Seria flagrante violação ao princípio da isonomia.

Outra violação ao mesmo princípio também decorreria dessa interpretação: presumidamente, os grandes escritórios de advocacia não teriam dificuldades para liquidarem as iniciais mais complexas, enquanto os pequenos não conseguiriam fazê-lo em virtude da ausência de recursos humanos e financeiros. Portanto, a exigência de liquidação indiscriminada gera tratamento injusto e indesejado, por beneficiar apenas os profissionais mais abastados.



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[1] AgRg no REsp 825.994/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/03/2010, DJe 16/03/2010.

[2] AgRg no REsp 906.713/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 23/06/2009, DJe 06/08/2009.

[3] REsp 1111003/PR, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 13/05/2009, DJe 25/05/2009.

Felipe Bernardes - Juiz do Trabalho - TRT da 1ª Região


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