Petição inicial na reforma trabalhista (Parte 2)

7) Exemplos práticos

À luz da exposição acima, passa-se a expor alguns exemplos cotidianos no foro.

Situações em que não haverá necessidade de liquidação dos pedidos: (i) diferenças de horas extras, tendo em vista a necessidade de apuração da jornada já registrada nos cartões de ponto e os valores já pagos a título de horas extras nos contracheques, o que depende da juntada dos documentos pertinentes pelo réu; (ii) diferenças de comissões, em virtude da necessidade de apuração das vendas efetivamente realizadas pelo trabalhador; (iii) equiparação salarial, pois a evolução salarial do paradigma é informação que fica em poder da empresa; (iv) indenização por danos materiais decorrentes de acidente ou doença ocupacional, por ser impossível fixar de antemão as consequências jurídicas.

De outro lado, por exemplo, os seguintes pedidos, em princípio, deverão ser formulados com indicação do respectivo valor: (i) verbas rescisórias; (ii) adicional de insalubridade e reflexos, pois o cálculo é feito considerando percentual sobre o salário mínimo; (iii) indenização de vale-transporte, já que basta multiplicar o valor do transporte público pelos dias trabalhados etc.

8) Extinção do processo sem resolução de mérito: princípios aplicáveis

De acordo com o novo §3º do art. 840 da CLT, os pedidos que não atendam aos requisitos do §1º – inclusive a ausência de liquidação – devem ser julgados extintos sem resolução de mérito.

Não há novidade significativa no ponto. De fato, sempre que não observado algum requisito da petição inicial, a consequência processual é a extinção sem resolução de mérito em função da inépcia (CPC, art. 330, §1º).

No entanto, o regramento trazido pela Reforma não afasta a aplicação do art. 321 do CPC, segundo o qual o juiz, ao verificar que a petição inicial não preenche os requisitos legais, ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor, no prazo de 15 (quinze) dias, a emende ou a complete, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado.

Esse regramento é aplicável ao Processo do Trabalho, conforme entendimento consolidado na Súmula 263. Trata-se de concretização legislativa dos princípios da cooperação e da primazia da decisão de mérito (CPC, arts. 4º e 6º).

Portanto, em qualquer caso em que falte algum dos requisitos da inicial, elencados no art. 840, §1º, da CLT – inclusive a liquidação dos pedidos, quando exigível -, o Juiz do Trabalho, inicialmente, deve conceder prazo para que o autor corrija o defeito. Não é possível a extinção do processo sem a adoção prévia dessa providência. 

9) Modificações redacionais do art. 840, caput e parágrafos, da CLT

O caput do art. 840 da CLT não foi alterado pela Reforma Trabalhista: daí decorre que continua sendo possível o ajuizamento de reclamação trabalhista de forma verbal, com a subsequente redução a termo pelo servidor público responsável. Os Tribunais Regionais do Trabalho devem dispor de estrutura adequada a fim de possibilitar o oferecimento verbal de petição inicial, já que permanece em vigor o jus postulandi ­– possibilidade de atuação de empregado ou empregador em Juízo sem a assistência de advogado (CLT, art. 791, caput).

Já os parágrafos do art. 840 apresentam algumas alterações meramente redacionais, e outras de conteúdo; as primeiras, com o único objetivo de aprimorar e atualizar o texto da Consolidação, enquanto as últimas trazem efetivas inovações no Direito Processual do Trabalho.

São modificações redacionais:

– (i) a menção ao direcionamento da petição inicial a determinado Juízo, e não ao “Presidente da Junta” ou ao “juiz de direito”, conforme constava da redação revogada. Depreende-se que houve, no ponto, aprimoramento técnico do texto legal, pois a ação deve ser endereçada a um órgão jurisdicional (= Juízo), e não à pessoa física de determinado juiz. Mesmo que se trate de localidade que possua Vara única e já se possa prever o juiz que presumidamente julgará a causa, a perpetuação da jurisdição (CPC, art. 43) ocorre para o órgão judiciário, e não para o magistrado, que pode ser substituído, removido, promovido etc. Ademais, desde a entrada em vigor da Emenda Constitucional 24/1999 não era mais pertinente mencionar-se a existência de “Juntas”, que passaram a ser chamadas de Varas do Trabalho a partir do fim da representação classista na Justiça do Trabalho;

– (ii) qualificação das partes, e não do “reclamante e reclamado”. Aqui também se nota apuro do vocabulário técnico-jurídico: os processos trabalhistas envolvem não apenas as reclamações trabalhistas típicas (ações entre empregados e empregadores, em relação às quais é pertinente a nomenclatura “reclamante” e “reclamado), mas também diversas outras espécies de ações, inclusive as que tramitam em procedimentos diferenciados (e nas quais se utilizam, tradicionalmente, outras designações). Assim, nos embargos de terceiro tem-se embargante e embargado; nos dissídios coletivos, suscitante e suscitado; no mandado de segurança, impetrante e autoridade coatora etc. Como o art. 840 da CLT se aplica para todas as espécies de procedimento – ressalvada a existência de previsão peculiar a determinado rito especial -, a modificação redacional empreendida se revela adequada.

No entanto, o legislador reformista não foi rigoroso no apuro técnico, pois na parte final do §1º do art. 840 menciona a necessidade de assinatura do “reclamante”, incidindo no mesmo equívoco redacional que parece ter almejado corrigir.

– (iii) o §2º não menciona mais a redução a termo feita pelo “chefe de secretaria”, designação que não mais se utiliza na Justiça do Trabalho, na qual a designação do servidor que dirige os trabalhos em uma Vara é “Diretor de Secretaria”. O dispositivo menciona, ainda, a possibilidade de redução a termo pelo “secretário”; seria melhor, no lugar desta expressão, fosse feita referência ao “servidor responsável”, já que a atribuição pode ser exercida por qualquer funcionário designado para tanto.

10) Conclusão

A mudança mais significativa da Reforma Trabalhista, no que tange aos requisitos da petição inicial, é a exigência de liquidação dos pedidos, que pode impactar fortemente o acesso à Justiça do Trabalho. A partir da interpretação sistemática, constitucional e consequencialista, entretanto, e considerando também a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e a realidade dos processos trabalhistas, conclui-se que nem sempre haverá necessidade de indicação do valor dos pedidos na petição inicial.

11) Referências bibliográficas

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Felipe Bernardes - Juiz do Trabalho do TRT da 1ª Região

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